A reforma trabalhista e o mito da geração de empregos

Introdução

A crise econômica sofrida no Brasil, principalmente após o ano de 2015, foi caracterizada pelo recuo do produto interno bruto (PIB) e pela elevação da taxa de desemprego, que chegou ao índice alarmante de 13,7% em março de 2017, representando cerca de 14 milhões de pessoas desempregadas, associada à crise política, com protestos contra o governo de Dilma Rousseff, então presidente que havia sido reeleita para o seu segundo mandato, criou um clima de instabilidade e insatisfação social, que levavam ao forte anseio da população por mudanças.

Aproveitando-se do anseio popular por mudanças, a oposição do governo articulou o afastamento de Dilma Rousseff da Presidência e, com a conclusão do processo de impeachment, seu vice, Michel Temer, assumiu o cargo de Chefe de Estado para implementar uma agenda política e econômica liberalizante que, supostamente, retomaria o fôlego da economia e alavancaria a geração de empregos.

Ainda sem propostas efetivas por parte do governo recém empossado, em dezembro de 2016, “vaza” a informação de que o então presidente Temer havia sido mencionado 43 vezes nas delações da Odebrecht, indicando seu envolvimento em esquemas de corrupção.

Já com baixa popularidade, na tentativa de abafar os efeitos das recentes notícias, e cedendo às pressões do empresariado, no mesmo mês o governo articula a liberação do FGTS inativo aos trabalhadores e propõe a Lei 6.787/16, chamada de minirreforma, que alteraria apenas sete artigos da CLT e mais algumas alterações na lei que regula o trabalho temporário.

Surpreendentemente, em menos de quatro meses essa “minirreforma” se transformou em uma proposta de alteração de mais de 200 dispositivos da CLT, que modificaria o modo de produção e as relações laborais de forma substancial, resultando na aprovação da Lei 13.467/17, que entrou em vigor em 11 de novembro de 2017, chamada de reforma trabalhista.

O tempo recorde em que a reforma trabalhista foi aprovada se justificou com o argumento de que os índices de desemprego se deveriam, em grande parte, à rigidez da legislação trabalhista, sendo a reforma legislativa considerada a mais urgente e necessária para a reversão do quadro econômico recessivo. Assim, a reforma trabalhista resolveria o grave problema do desemprego e incentivaria a retomada da economia nacional.

Nesse sentido, o objetivo deste estudo é a análise da aptidão da reforma trabalhista para a redução das taxas de desemprego, bem como verificar os efeitos mensuráveis de seu impacto social após mais de um ano de vigência da lei.

A primeira parte do estudo busca reconstruir o cenário político que culminou na proposição da reforma trabalhista, apontando os principais argumentos que supostamente justificariam a necessidade de sua aprovação, estabelecendo a premissa maior do tema em questão: a reforma trabalhista como meio necessário à criação de empregos.

A segunda parte tenta pinçar as principias alterações legislativas trazidas pela reforma, para identificar se realmente as mudanças instituídas têm o viés de incentivar a criação de postos formais de trabalho.

Esta verificação é feita na terceira parte do texto, como tentativa de desconstruir os pressupostos que justificaram sua aprovação.

E, por fim, busca-se uma análise empírica da geração de empregos nos pós- reforma, comparado à situação anterior à alteração legislativa destinada à geração de empregos formais e aceleração do crescimento da economia, com base em dados estatísticos.

1.  Justificativas para a edição da reforma trabalhista

As propostas de reformas legislativas, no que diz respeito às relações de trabalho, não são novidades no cenário brasileiro, tendo sido relegadas a segundo plano durante os primeiros anos de governo do PT (partido dos trabalhadores), em razão do ciclo de alta dos preços das commodities, da política de elevação do salário mínimo e da sustentação do consumo por meio de políticas sociais, o que gerou satisfação do setor industrial, das grandes empresas, bem como do setor financeiro (ROCHA, 2017, p. 196).

Contudo, a crise desencadeada no ano de 2008 alterou a conjuntura internacional e, como consequência, esgotou o modelo de crescimento do país que, adotando medidas e ajustes equivocados, ampliou o desajuste financeiro do setor privado. A instabilidade econômica trouxe consigo questionamentos sobre o modelo de gestão no governo Dilma, e deu margem a propostas, pela oposição, de austeridade econômica e alterações legislativas que pudessem conceder maiores lucros ao setor empresarial (ROCHA, 2017, p. 212).

A alta dos níveis de desemprego criou campo fértil para propostas de uma suposta modernização das relações de trabalho, com a promessa de criação de empregos e a retomada da aceleração da economia nacional, como parte de um conjunto de propostas liberalizantes “tais como o congelamento do gasto público por 20 anos, a reforma da previdência, as privatizações, a redefinição do marco regulatório do pré-sal, a venda de terras nacionais a estrangeiros, entre outras” (GALVÃO et al., 2017a, p. 19).

Tomada como bode expiatório de todos os males econômicos do País, a legislação trabalhista foi chamada à modernização, haja vista ser considerada, por alguns, como empecilho à livre contratação de trabalhadores, e entrave ao reaquecimento do mercado de trabalho. Dentre as medidas defendidas, tinha-se a prevalência do negociado sobre o legislado, ainda que in pejus ao trabalhador, a adoção de uma legislação residual e minimamente interventiva, a possibilidade de autocomposição entre empregados e empregadores, em detrimento do intervencionismo estatal, a desmobilização da classe trabalhadora, pela individualização dos contratos de trabalho e dos direitos laborais (TEIXEIRA et al., 2017, p. 41).

As medidas acima mencionadas se justificariam pelo excesso de leis que, em tese, estariam prejudicando o próprio trabalhador, que acabara por se tornar um peso ao mercado, que não mais conseguiria absorvê-lo, por ter o empregador de pagar muitos encargos trabalhistas e, assim, gerando o desemprego e a informalidade (TEIXEIRA et al., 2017, p. 43).

Desta forma, e aproveitando-se dos altos índices de informalidade, cria-se o argumento de que a legislação trabalhista promove injustiças, ao conceder direitos a uma pequena classe de privilegiados, regidos pela legislação trabalhista, e excluindo a grande massa trabalhadora, que luta para sobreviver do trabalho informal. Neste sentido, busca-se sensibilizar a população à aceitação de um rebaixamento de garantias sob o argumento do “mal menor”, no qual “é melhor ter um conjunto de proteções parciais do que nenhuma proteção”, nas palavras de José Pastore (apud TEIXEIRA et al., 2017, p. 46).

Ainda, como forma de minar a necessidade de uma legislação do trabalho interventiva, fortaleceu-se a propagação do argumento da outorga, construído na década de 1940, o qual prega que os direitos trabalhistas foram uma benesse concedida pelo governo getulista, inspirado pelo fascismo italiano, em uma época de um Brasil agrário, incompatível com a realidade atual (SILVA, 2017, p. 47).

E, associado ao mito da outorga, repetiu-se à exaustão que a CLT não teria acompanhado as mudanças ocorridas no Brasil e no mundo desde sua promulgação, em 1943, levando muitos a crerem que o Direito do Trabalho estaria reduzido às normatizações da CLT, e ainda que esta, de fato, tratava-se de norma anacrônica e inaplicável à realidade de um mundo globalizado (SILVA, 2017, p. 47).

Outro forte argumento para justificar a reforma trabalhista, seria o excesso de litigiosidade, pela postulação descompromissada e incentivada pela gratuidade da justiça, que teria gerado, como muito se ouve, “uma máquina de ganhar dinheiro para os trabalhadores”. Reforçando-se ainda a falácia de que o Brasil seria o campeão mundial de processos trabalhistas, o que estaria prejudicando a saúde financeira do empresariado e, como consequência, contribuindo para o desemprego (SILVA, 2017, p. 48).

Após o impeachment da então presidenta Dilma Rousseff, seu vice, Michel Temer, toma posse definitiva da presidência da república em 31 de agosto de 2016, para colocar em prática a agenda neoliberal tão reivindicada pelo empresariado.

E todos estes argumentos e ideias neoliberais foram sendo incutidos pela grande mídia, cotidianamente, nas casas dos brasileiros, e associado à crise econômica, ventilavam incessantemente escândalos políticos, causando enorme incerteza sobre o futuro da economia do país e, consequentemente, criando o medo constante e a ameaça à sobrevivência dos trabalhadores. Diante deste medo iminente, a apatia diante das reformas propostas foi uma consequência, bem como a aceitação do “mal menor”, possibilitando o retrocesso social, com a publicação da lei nº 13.467 em 14 de julho de 2017.

Importante relembrar que as teses trazidas junto com a lei 13.467/17 não surgiram durante o período de crise, mas são antigas reivindicações de entidades patronais, como se pode verificar “nos textos da CNI (101 Propostas para Modernização Trabalhista, 2012; Agenda Legislativa da Indústria, 2014; Caminhos da Modernização Trabalhista, 2016) e da CNA (Proposta da Bancada de Empregadores, 2016; Balanço 2016 e Perspectivas 2017)” (GALVÃO, 2017a, p. 19).

No dia em que a lei 13.467/17 entrou em vigor, 11 de novembro do mesmo ano, o então presidente Michel Temer se pronunciou nos seguintes termos (REFORMA…, 2017):

“Minhas amigas, meus amigos,

Uma das medidas mais importantes do nosso governo foi a modernização das relações de trabalho. A nova lei trabalhista entrou em vigor neste sábado. Para ela, muito colaborou o ministro do Trabalho, Ronaldo Nogueira.

Fiquei muito satisfeito em saber que existem pesquisas mostrando que os jovens têm expectativa muito positiva com essa modernização da lei trabalhista. E ouço relatos de empresários que as contratações aumentarão a partir de agora.

Os jovens estão certos. Perceberam que finalmente conectamos o mundo do trabalho no Brasil ao século 21.

Agora, com a jornada parcial, os estudantes terão mais chance de obter uma colocação, com todos os direitos garantidos, sem risco de interromper os estudos.

Mães e pais, por exemplo, que queiram conciliar a atividade profissional com a atenção à família poderão também se beneficiar da meia jornada. Também é uma opção para quem quer se qualificar melhor.

Profissionais das mais diversas áreas passam a poder trabalhar em casa. Agora, há regras claras para o chamado trabalho remoto.

A nova lei amplia os horizontes para quem procura um emprego e para quem está empregado. E com segurança jurídica, pois é uma lei aprovada pelo Congresso, sancionada pela Presidência da República, após amplo debate na sociedade.

É um novo tempo. O Brasil voltou a crescer e o desemprego cede. O IBGE mostrou que, no último trimestre, a população ocupada aumentou em 1,1 mil pessoas.

Com a nova lei, vamos acelerar a recuperação dos empregos. 18 milhões de pessoas que hoje trabalham precariamente, na informalidade, terão seus direitos assegurados graças a essa nova lei. Ocupações que hoje funcionam como “bicos” ou “extras” passam a ter proteção e garantias trabalhistas.

Não sejam, portanto, enganados, meus amigos e minhas amigas, por falsas informações: todas as novas formas de contratação aqui mencionadas, inclusive a chamada jornada intermitente, exigem carteira assinada, com férias, décimo terceiro salário, INSS, e fundo de garantia proporcionais.

Essa é a verdade.

As mudanças que estamos fazendo são para consolidar e ampliar o trabalho digno no país, abrindo mais oportunidades para todos.

Tudo indica que teremos um Natal melhor, com mesa mais farta e mais presentes para a família. É muito bom que seja assim.

Os que apostaram no pessimismo não prosperaram: o Brasil se mostrou maior do que todas as dificuldades.

Os brasileiros querem paz para trabalhar e merecem chegar ao final deste ano com esperanças renovadas.

Continuaremos a buscar, junto com nosso povo, novas conquistas. Vamos em frente e muito obrigado a todos.” (grifou-se)

É consenso que as premissas que incentivaram a aprovação da lei 13.467/17 são realmente legítimas, tendo em vista os altos índices de desemprego e a grave crise econômica. A criação pelo Estado, com o auxílio de modificações legislativas, de meios que incentivem a geração de empregos e desenvolvam a economia, é mais que bem-vinda, é necessária!

Contudo, para tentar associar os argumentos acima trazidos, que justificaram a edição da lei nº 13.467/17, às suas supostas finalidades de modernização e geração de empregos, faz-se necessário conhecer o que de tão moderno foi criado pela mencionada legislação.

2. A “modernização” imposta pela reforma trabalhista

Nesta seção busca-se trazer as principais mudanças incorporadas pela lei 13.467/17 ao sistema normativo brasileiro, bem como suas justificativas para implementação.

Como solução para o problema da informalidade, o artigo 443 da lei 13.467/17 traz uma nova modalidade de contratação, o trabalho intermitente, que, em tese, aumentaria os índices de empregabilidade, pois consideraria o trabalhador que presta serviços de forma descontínua como um empregado. Nos exatos termos da lei:

“Considera-se como intermitente o contrato de trabalho no qual a prestação de serviços, com subordinação, não é contínua, ocorrendo com alternância de períodos de prestação de serviços e de inatividade, determinados em horas, dias ou meses, independentemente do tipo de atividade do empregado e do empregador”.

No trabalho intermitente o trabalhador não possui uma jornada pré- estabelecida, ficando à disposição de seu empregador, que poderá requerer seus serviços a qualquer momento do dia, pagando apenas pelas horas trabalhadas.

Como justificativa para a defesa da regulamentação do trabalho intermitente, argumenta-se a facilidade de se conseguir o primeiro emprego, nesta modalidade, uma vez que seria possível conciliar trabalho e estudo, utilizando-se uma jornada mais flexível.

Outra disposição relativa às modalidades de contratação vem expressa pelo artigo 442-B introduzido na CLT, também pela reforma, o qual regula o exercício do trabalho autônomo, buscando reforçar que o trabalho formalmente caracterizado como autônomo afastaria o reconhecimento do vínculo empregatício.

“A contratação do autônomo, cumpridas por este todas as formalidades legais, com ou sem exclusividade, de forma contínua ou não, afasta a qualidade de empregado prevista no art. 3º desta Consolidação.”

Em outras palavras, o artigo 442-B legaliza a chamada “pejotização” já tão difundida e praticada no Brasil, na qual o trabalhador, embora cumpra todos os requisitos formais para ser caracterizado como empregado, labora como prestador de serviços, por meio de uma “pessoa jurídica” registrada em seu nome.

E, não bastasse a inclusão da possibilidade de terceirização de atividades fins, pela lei 13.429/17, a lei 13.467/17 reforçou tal possibilidade expressamente em seu artigo 4º-A:

“Considera-se prestação de serviços a terceiros a transferência feita pela contratante da execução de quaisquer de suas atividades, inclusive sua atividade principal, à pessoa jurídica de direito privado prestadora de serviços que possua capacidade econômica compatível com a sua execução”.

Justificava-se a possibilidade de terceirizar atividades não relacionadas diretamente com o escopo produtivo principal da empresa, como limpeza, portaria e segurança, com o argumento de conceder maior competitividade no mercado, pelo foco exclusivo na especialidade da empresa. Contudo, a reforma trabalhista ampliou este conceito ao permitir a terceirização inclusive das chamadas atividades fins, ou atividades relacionadas diretamente ao objeto social da empresa. E ainda, possibilitou-se a chamada “quarteirização”, figura em que a empresa prestadora de serviços subcontrata outras para prestarem serviços à tomadora.

Importante ressaltar que nas subcontratações para prestação de serviços, há muitas empresas intermediárias lucrando com a atividade de um mesmo trabalhador, sendo esta organização da atividade a que mais revela pessoas trabalhando em condições análogas a de escravo, e a que mais está relacionada ao tráfico internacional de pessoas.

Foi regulamentada também a expressa possibilidade de dispensa coletiva de trabalhadores sem a necessidade de negociação com o sindicato profissional, prevista pelo artigo 477-A da CLT, nos seguintes termos:

“As dispensas imotivadas individuais, plúrimas ou coletivas equiparam-se para todos os fins, não havendo necessidade de autorização prévia de entidade sindical ou de celebração de convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho para sua efetivação.”

E mais, com a institucionalização de uma nova forma de rescisão contratual, o artigo 484-A da CLT regulamentou a rescisão do contrato de trabalho por acordo, no qual a indenização que o trabalhador receberá sobre o saldo de FGTS será reduzida pela metade, podendo movimentar 80% deste saldo já depositado e, por fim, não tendo direito à habilitação no programa de seguro-desemprego.

“O contrato de trabalho poderá ser extinto por acordo entre empregado e empregador, caso em que serão devidas as seguintes verbas trabalhistas:

      • – por metade:
      1. o aviso prévio, se indenizado; e
      2. a indenização sobre o saldo do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, prevista no 1o do art. 18 da Lei n. 8.036, de 11 de maio de 1990;
        • – na integralidade, as demais verbas
        • 1o A extinção do contrato prevista no caput deste artigo permite a movimentação da conta vinculada do trabalhador no Fundo de Garantia do Tempo de Serviço na forma do inciso I-A do art. 20 da Lei n. 8.036, de 11 de maio de 1990, limitada até 80% (oitenta por cento) do valor dos depósitos.
        • 2o A extinção do contrato por acordo prevista no caput deste artigo não autoriza o ingresso no Programa de Seguro-Desemprego.”

Justifica-se a implementação legal do acordo na rescisão contratual, de forma a reduzir o custo das dispensas e regulamentar algo que já ocorria ilegalmente.

Muitas alterações também foram feitas no que diz respeito à jornada de trabalho. O artigo 58-A da CLT elasteceu a jornada em regime de tempo parcial de 25 horas semanais para até 32 horas semanais, sem o pagamento de horas extras.

“Considera-se trabalho em regime de tempo parcial aquele cuja duração não exceda a trinta horas semanais, sem a possibilidade de horas suplementares semanais, ou, ainda, aquele cuja duração não exceda a vinte e seis horas semanais, com a possibilidade de acréscimo de até seis horas suplementares semanais.”

O artigo 59 prevê que a realização do banco de horas pode ocorrer mediante a assinatura de acordo individual de compensação, desprestigiando a negociação coletiva anteriormente necessária para tal regime.

“A duração diária do trabalho poderá ser acrescida de horas extras, em número não excedente de duas, por acordo individual, convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho.”

O artigo 59-A, contrário à norma constitucional que fixa o máximo do horário de trabalho em 8 horas, regulamentou a jornada de 12 horas de trabalho por 36 horas de descanso, anteriormente possível somente por meio de negociação coletiva.

“Em exceção ao disposto no art. 59 desta Consolidação, é facultado às partes, mediante acordo individual escrito, convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho, estabelecer horário de trabalho de doze horas seguidas por trinta e seis horas ininterruptas de descanso, observados ou indenizados os intervalos para repouso e alimentação.”

O artigo 134, §1º, estabelece o parcelamento dos períodos de gozo de férias, ajustando o descanso do trabalhador à necessidade produtiva da empresa.

“Desde que haja concordância do empregado, as férias poderão ser usufruídas em até três períodos, sendo que um deles não poderá ser inferior a quatorze dias corridos e os demais não poderão ser inferiores a cinco dias corridos, cada um.”

Houve ainda a inclusão do artigo 611-A, prevendo a possibilidade de concessão de intervalo intrajornada, para refeição e descanso, inferior ao mínimo de 01 (uma) hora anteriormente previsto, regulamentando ainda, no artigo 71, §4º, que, nestas hipóteses, será devido o pagamento de indenização pelo tempo não usufruído, excluindo a natureza salarial desta verba.

Art. 611-A. A convenção coletiva e o acordo coletivo de trabalho têm prevalência sobre a lei quando, entre outros, dispuserem sobre:

(…)

      • – intervalo intrajornada, respeitado o limite mínimo de trinta minutos para jornadas superiores a seis horas”

“Art. 71. § 4o A não concessão ou a concessão parcial do intervalo intrajornada mínimo, para repouso e alimentação, a empregados urbanos e rurais, implica o pagamento, de natureza indenizatória, apenas do período suprimido, com acréscimo de 50% (cinquenta por cento) sobre o valor da remuneração da hora normal de trabalho.”

Outra grande mudança trazida pela reforma trabalhista é a possibilidade de cobrança de honorários advocatícios da parte sucumbente nas demandas trabalhistas, nos termos do artigo 791-A da CLT:

Art. 791-A. Ao advogado, ainda que atue em causa própria, serão devidos honorários de sucumbência, fixados entre o mínimo de 5% (cinco por cento) e o máximo de 15% (quinze por cento) sobre o valor que resultar da liquidação da sentença, do proveito econômico obtido ou, não sendo possível mensurá-lo, sobre o valor atualizado da causa.

      • 1º Os honorários são devidos também nas ações contra a Fazenda Pública e nas ações em que a parte estiver assistida ou substituída pelo sindicato de sua categoria.
      • 2º Ao fixar os honorários, o juízo observará:
      • – o grau de zelo do profissional;
      • – o lugar de prestação do serviço;
      • – a natureza e a importância da causa;
      • – o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para o seu serviço.
      • 3º Na hipótese de procedência parcial, o juízo arbitrará honorários de sucumbência recíproca, vedada a compensação entre os honorários.
      • 4º Vencido o beneficiário da justiça gratuita, desde que não tenha obtido em juízo, ainda que em outro processo, créditos capazes de suportar a despesa, as obrigações decorrentes de sua sucumbência ficarão sob condição suspensiva de exigibilidade e somente poderão ser executadas se, nos dois anos subsequentes ao trânsito em julgado da decisão que as certificou, o credor demonstrar que deixou de existir a situação de insuficiência de recursos que justificou a concessão de gratuidade, extinguindo-se, passado esse prazo, tais obrigações do beneficiário.
      • 5º São devidos honorários de sucumbência na reconvenção.

Mais que a valorização do trabalho do advogado, há que se pensar que referida alteração legislativa pode também ter o viés de punir o trabalhador e de afrontar o direito fundamental de acesso à justiça fixado no inciso XXXV, do art. 5º da CF que diz: “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”. Desta forma, se a lei não pode criar obstáculos ao acesso à justiça, há que se ter cautela na aplicação de referido dispositivo para não tornar inviável o acesso ao judiciário trabalhista.

Um outro importante ponto a ser analisado na reforma trabalhista, é a tentativa de desmobilização dos sindicatos, com a revogação do §1º do artigo 477 da CLT que previa a assistência obrigatória dos sindicatos ou do extinto Ministério do Trabalho em rescisões de contratos firmados por mais de um ano de serviço. O distanciamento dos trabalhadores dos sindicatos pode significar a perda silenciosa, ou a ineficácia, de muitos direitos que só eram percebidos quando da rescisão contratual.

Dentre as modificações trazidas pela Lei nº 13.467/17, ainda se pode citar a tentativa de negar pagamento de horas extras para quem labora em regime de teletrabalho; a referência de que comissão não é salário; as regras acerca da gratuidade da justiça, piores que aquelas inscritas no Código de Processo Civil; a tarifação do dano moral; a previsão de multas e a possibilidade de punir trabalhador que compareça como testemunha, sem dar- lhe qualquer garantia que, se disser a verdade, não perderá seu emprego; a tentativa de eliminar os adicionais de salário por condições insalubres de trabalho; a fragilização da garantia que se constitui pelo depósito recursal e a tentativa de impedir a execução de ofício de sentenças judiciais trabalhistas.

A princípio, o que se dissemina como benesse trazida pela reforma trabalhista, é que, com a redução dos custos de contratação e dispensa, haveria o incentivo ao empresariado em realizar mais contratações. Além da segurança jurídica pela regulamentação de antigas teses defendidas pelos empregadores, e menor possibilidade de condenações judiciais, pelos riscos trazidos aos empregados, com as novas regras processuais, que dificultaram o acesso à justiça.

Em linhas gerais, as alterações introduzidas pela reforma trabalhista podem ser agrupadas em seis tipos de medidas (GALVÃO et al., 2017a, p. 29):

“1. a substituição da lei pelo contrato;

      1. a adoção de uma legislação mínima, residual, a ser complementada pela negociação/contratação;
      2. a criação de diferentes tipos de contrato, distintos do padrão de assalariamento clássico representado pelo contrato por tempo indeterminado;
      3. a substituição de direitos universais por direitos diferenciados;
      4. a descentralização da negociação coletiva, se possível ao âmbito da empresa;
      5. a substituição da intervenção estatal na resolução dos conflitos trabalhistas pela autocomposição das partes”

Portanto, analisadas as premissas e argumentos que embasaram o fio condutor da reforma trabalhista, e dado o panorama geral das principais alterações legislativas por ela trazidas, resta a análise de sua aptidão a solucionar os problemas verificados, pela correlação entre os argumentos e a modernização imposta.

3.  Verificabilidade dos argumentos reformistas

As análises necessárias passam pela suposta existência de um arcabouço jurídico rígido e excessivo, que impediria o aumento de contratações pelas empresas; a existência de vultosos encargos trabalhistas, que encarecem a mão de obra brasileira; a suposta inadequação da CLT aos tempos atuais, pelo fato de ter sido promulgada no ano de 1943; e, por fim, a existência de um poder judiciário excessivamente protecionista, que estaria causando altos índices de litigiosidade e, portanto, prejudicando a saúde financeira das empresas.

Sobre a existência de um excessivo conjunto de leis trabalhistas que estariam impedindo a contratação de trabalhadores, é certo que, em um passado não distante, o Brasil viu um aumento significativo dos índices de empregos formais2. Desta forma, não se pode dizer que a legislação seria um fator determinante para o aumento dos níveis de desemprego, uma vez que há um histórico de geração de empregos que conviveu com a legislação até então vigente. Ou seja, a geração de empregos, ao que parece, não está associada diretamente ao afrouxamento do intervencionismo estatal.

  • O mercado de trabalho brasileiro viu a geração de 1.254 milhão de empregos formais em 2005 e mais 1.229 milhão em 2006, culminando com o recorde, de pouco mais de 1.600 milhão postos formais de trabalho, em 2007 (MATTOS, 2015).

Quanto aos encargos trabalhistas, que também impediriam a contratação de empregados, Manzano (1996) entende que esta não seria uma premissa verdadeira. Primeiro, porque os gastos com a demissão de empregados no Brasil não tem sido ônus significativo para os empregadores, uma vez que as demissões são muito utilizadas para a regulação dos salários. E ainda, se considerados os encargos no valor total da mão de obra brasileira, estes podem ser considerados baixos se comparados ao custo horário da mão de obra de outros países, não interferindo, portanto, na competitividade do país. Segundo, porque os encargos demissionais devidos ao trabalhador não tem impedido a extinção desmedida de quase três quartos dos contratos formais de emprego, nos dois primeiros anos de trabalho.

Ou seja, os encargos trabalhistas, além de não serem os maiores do mundo, se considerado o custo efetivo total da mão de obra, também não têm sido empecilhos ao funcionamento empresarial, e muito menos à desmedida dispensa imotivada.

Com relação à política do mal menor, que traz a formalização do trabalho intermitente, uma “meia proteção”, como instituto que resolveria o problema dos altos índices de desemprego, questiona-se: a quem interessa este tipo de formalização? Ainda que a regulamentação do trabalho intermitente aumente, aparentemente, os postos formais de trabalho, por outro viés deixa descobertas algumas garantias mínimas, como por exemplo a ausência de jornada mínima mensal, resultando em possibilidade de remuneração inferior ao salário mínimo nacional, necessário à sobrevivência do trabalhador, conforme previsto no texto constitucional.

A promessa de geração empregos traz implícito o entendimento de que serão criados empregos formais que assegurem a dignidade do trabalhador e não qualquer tipo de ocupação que forneça alguma renda. Há que se estabelecer um patamar mínimo civilizatório de condições de trabalho humano, para se dizer que a regulamentação do trabalho intermitente foi um avanço na esfera laboral. Este tipo de formalização vazia, além de expor o trabalhador ao recebimento de salários ínfimos, ainda contribui para a pulverização das classes trabalhadoras, que perdem o poder de reivindicação e organização, ante a precariedade de seu vínculo empregatício. Há, na regulamentação do trabalho intermitente, clara autorização para se violar o conceito de trabalho decente3, hoje tão buscado pelos órgãos internacionais preocupados com as questões do trabalho, como a OIT.

A respeito da desatualização da CLT, em razão de sua edição no ano de 1943, este é, sem dúvidas, o argumento mais malicioso. Desde a sua edição, quase nenhum direito previsto na CLT permaneceu inalterado, tendo sido praticamente reescrita ao longo destes anos. (SOUTO MAIOR, 2016).

  • “A noção de Trabalho Decente integra as dimensões quantitativa e qualitativa do emprego. Ela propõe não apenas medidas dirigidas à geração de postos de trabalho e ao enfrentamento do desemprego, mas também à superação de formas de trabalho que geram renda insuficiente para que os indivíduos e suas famílias superem a situação de pobreza ou se baseiam em atividades insalubres, perigosas, inseguras e/ou degradantes. Afirma a necessidade de que o emprego esteja também associado à proteção social e aos direitos do trabalho, entre eles os de representação, associação, organização sindical e negociação coletiva.” (ABRAMO, 2010).

A título de exemplo de alterações implementadas, tem-se o repouso semanal remunerado; férias; 13º salário; FGTS; limitação da jornada; adicional de horas extras; trabalho temporário, 1974; estágio, 1977; vigilante, 1983; terceirização, 1993; cooperativa de trabalho, 1994; banco de horas, 1998; contrato provisório, 1998; contrato a tempo parcial, 1998; recuperação judicial, 2003; primeiro emprego, 2003; Programa de Proteção ao Emprego, 2015 etc. (SOUTO MAIOR, 2016).

Importante frisar que além de não ser a mesma CLT de quando foi editada, todas as alterações feitas, e acima mencionadas, foram com o intuito de atender aos interesses dos empregadores, com vieses de liberalização e desregulação do direito do trabalho.

Outro argumento grandemente difundido, é o prejuízo econômico causado às empresas pelo excesso de litigiosidade, possibilitado por um judiciário trabalhista protecionista, que também estaria impedindo o aquecimento do mercado de trabalho, pelo medo de um passivo trabalhista futuro.

Contudo, os dados demonstram que entre os anos de 2002 a 2015 o crescimento do número de ações judiciais foi proporcionalmente inferior ao aumento do número de vínculos de emprego, resultando, em 2015, em taxa de acionamento de 4,28%. Ou seja, foram 2.659.007 novas ações em um universo de 61.986.653 de vínculos de empregos formais. Neste período, apenas 4,28% dos empregos gerados resultaram em novas Reclamações Trabalhistas, não podendo ser considerado excessivo (SILVA, 2017).

Relacionando-se o número de desligamentos de trabalhadores ao número de ações, no mesmo período acima analisado, também se chega a um percentual de 11,66%, o qual também não é tão expressivo quanto divulgado nos grandes veículos de comunicação (SILVA, 2017). Não há, portanto, verificável excesso de litigiosidade que justifique o desemprego que assola o País.

Neste sentido, além de não haver um excesso de litigiosidade, os dados obtidos no pós-reforma indicam que o número de demandas trabalhistas tem, inclusive, diminuído, o que pode significar, em verdade, a obstaculização do acesso à justiça imposta aos trabalhadores pela edição da reforma trabalhista. O Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região, que abrange o interior do estado de São Paulo, divulgou que no ano de 2018 houve uma queda de 32% no número de processos ajuizados (EVANS, 2019).

Ao que tudo indica, a lei 13.467/17 trouxe consigo normativas que contradizem as justificativas que incentivaram a sua aprovação.

A exclusão do trabalho formalmente autônomo das relações formais de emprego, demostra a inexistência de preocupação com a geração de postos de trabalho, bem como a legitimação da burla ao próprio ordenamento jurídico laboral.

Com a possibilidade de dispensas coletivas, é certo que as negociações sindicais, com relação às cláusulas econômicas, restarão enfraquecidas e, quando possíveis, serão inaplicáveis, tendo em vista que a dispensa de trabalhadores já é constantemente utilizada como uma espécie de regulador de salários, no qual as empresas provocam a rotatividade operacional para arcar sempre, e apenas, com o piso salarial mínimo previsto para a categoria profissional, não tendo que aplicar os devidos reajustes salariais anuais.

A possibilidade de rescisão contratual por acordo é outro fator que pode contribuir para a rotatividade da mão de obra. Não há como argumentar que a facilitação da extinção dos contratos de trabalho, reduzindo seus custos, possa contribuir para a geração de empregos. Além de não gerar empregos, esta nova forma de extinção dos contratos dificilmente será algo diferente de uma fraude institucionalizada, pois a possibilidade de acordo em uma relação tão desigual somente seria verificável, e não configuraria uma fraude, em um mundo ideal, em que empregado e empregador, simultaneamente, acordassem com a mesma intenção de rescindir seu contrato de trabalho.

Com relação à jornada, é notória a intenção da lei 13.467/17 de se tornar possível a tomada de serviços em regime extraordinário exaustivo, em total desrespeito à saúde e higidez física do trabalhador, com a redução dos custos, tornando ainda mais difícil defender-se a tese de que a reforma trabalhista geraria empregos.

Não é crível que o empregador vá tomar serviços em jornada extraordinária de forma extenuante e a baixos custos, sem pausas mínimas para descanso e refeição, com a concessão de períodos esparsos de férias, e ainda assim vá se ver motivado à contratação de maior efetivo de trabalhadores. Nitidamente, o intuito da lei é reduzir os custos da produção e aumentar a carga de trabalho, para tornar desnecessárias as novas contratações.

Em recente estudo publicado pela OIT (ADASCALITEI; PIGNATTI MORANO, 2015), ao analisar as modificações legislativas trabalhistas em 110 países desenvolvidos e em desenvolvimento, entre os anos de 2008 e 2014, os autores concluem que, assim como ocorrido no Brasil, as altas crescentes das taxas de desemprego aumentaram a probabilidade de adoção de reformas do mercado de trabalho, com o intuito de conceder maior competitividade às economias, e gerar postos de trabalho.

Com relação às medidas adotadas nos países estudados, em 55% dos casos, as reformas buscaram reduzir a proteção ao emprego, atingindo não apenas nichos específicos de trabalhadores, mas a toda população, em caráter definitivo, não se tratando de mecanismo temporário de combate à crise econômica e, portanto, alterando a longo prazo a dinâmica de seus mercados de trabalho (ADASCALITEI; PIGNATTI MORANO, 2015).

Referido estudo aponta que as reduções de proteção laboral, bem como reformas liberalizadoras, que facilitam a dispensa dos trabalhadores, quando implementadas em período de crise, tendem a aumentar as taxas de desemprego no curto prazo. E, quando estas reformas foram implementadas em períodos de estabilidade econômica, não se pode observar efeito estatístico significativo no aumento dos níveis de emprego (ADASCALITEI; PIGNATTI MORANO, 2015).

Ou seja, não há evidências empíricas que justifiquem a desregulação trabalhista para a geração de empregos no Brasil. Ao contrário, há evidências de que, na década passada, durante o período de recuperação econômica, foram outros fatores (e não mudanças na legislação) que incentivaram a criação de postos formais de trabalho, como:

“Aumento e desconcentração do gasto social, aumento e diversificação do crédito interno, aumento e diversificação do saldo exportador, consolidação do regime tributário simplificado para microempresas e empresas de pequeno porte (SIMPLES) e uma maior eficácia das ações de intermediação de mão-de- obra e de fiscalização das relações e condições de trabalho nas empresas” (CARDOSO JÚNIOR, 2009).

De fato, a previsão era que a reforma trabalhista aprovada provocaria uma “desestruturação do mercado de trabalho, porque dissemina contratos atípicos, promove a informalidade e a terceirização, e outras modalidades de ocupação com baixa remuneração” (GALVÃO et al., 2017b, p. 69).

E ainda, é certo que a piora do mercado de trabalho durante o período recessivo (2015-2016), se deve a fatores econômicos que não guardam qualquer relação com suposta rigidez da legislação trabalhista. Fernando Duca (2017) afirma que o Brasil, a partir de 2004, apresentou um padrão de crescimento liderado pela absorção interna, que atingia patamares de crescimento superiores aos do PIB e da produção industrial. Esse crescimento, liderado pela demanda, sem ser acompanhado pela expansão da oferta começou a dar sinais de instabilidade ainda em 2012. As condições necessárias ao crescimento sustentado – tanto do lado da demanda (consumo e formação bruta de capital fixo) quanto do lado da oferta (produção industrial) – começaram a dar sinais de esgotamento. Esse insatisfatório desempenho econômico foi considerado a principal causa para a piora das condições do mercado de trabalho nacional a partir de 2015 (DUCA, 2017).

Em recente artigo, Sandro Pereira Silva, do IPEA, analisou a experiência de 44 países com base no Indicador de Proteção ao Emprego (IPE), elaborado pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que mede o grau de rigidez e de proteção da legislação trabalhista. Considerou um conjunto de variáveis econômicas referentes: à capacidade produtiva nacional (Produto Interno Bruto per capita); à produtividade média do trabalho (PIB sobre a população ocupada); à competitividade internacional (exportações per capita); à atratividade da economia (investimento direto externo); e ao nível de desigualdade (índice de Gini). A conclusão é que não existe relação estatisticamente significativa entre o IPE e tais variáveis, comprovando que o grau de rigidez da legislação trabalhista explica muito pouco da variação dos indicadores econômicos nos países estudados (SILVA, 2018).

Portanto, as evidências indicam que referida piora no mercado de trabalho brasileiro se deve a fatores econômicos que não guardam relação com suposta rigidez da legislação trabalhista, e que o verdadeiro propósito para a edição da lei 13.467/17 nunca foi a geração de empregos. E ainda que esta fosse a finalidade, a experiência de outros países indica que dificilmente a reforma trabalhista contribuirá para a geração de empregos decentes.

Mas, para além das conjecturas sobre os impactos previstos da lei 13.467/17, é possível e necessária a análise empírica da geração de empregos no pós-reforma, comparando com a situação anterior à alteração legislativa destinada à geração de empregos formais e a estimular a aceleração do crescimento da economia.

4.  A desilusão após um ano da reforma trabalhista entrar em vigor

O período recessivo (2015-2016) e a piora no quadro do mercado de trabalho brasileiro em 2017 deixaram importantes desafios a serem enfrentados, como o “aumento do desemprego aberto e oculto4, devido à redução do número de ocupados e a queda dos rendimentos, tanto dos assalariados quanto dos ocupados em geral, bem como a piora significativa para encontrar ocupação, medido tanto pelo tempo de busca por emprego, quanto pelo tempo desde o último emprego” (DUCA, 2017, p. 49).

Após um ano da edição da reforma trabalhista, é importante a verificação empírica de suas consequências no mundo do trabalho, mais especificamente no que se refere à contratação de funcionários, para ponderar se realmente suas promessas estão sendo atingidas e mensurar sua contribuição para a economia do País e para a geração de empregos formais.

Para tanto, faz-se a análise de dados da PNAD Contínua divulgados no dia 28 de dezembro de 2018, comparando o terceiro trimestre de 2018, com o trimestre anterior, e ainda com o trimestre correspondente de 2017.

No trimestre encerrado em novembro de 2018 a taxa de desocupação (11,6%) reduziu 0,5 ponto percentual em relação ao trimestre anterior do mesmo ano (12,1%). Também houve 0,4 ponto percentual de redução em relação ao mesmo trimestre móvel de 2017 (12%). Portanto, segundo o IBGE, apesar da redução da taxa de desocupação, ainda há no País 12,2 milhões de pessoas à procura de trabalho.

Embora a PNAD Contínua aponte o aumento de 1,1 milhão de pessoas ocupadas frente ao trimestre fechado em agosto de 2018, é também verdade que, deste total, houve aumento de 528 mil pessoas trabalhando por conta própria (atingindo 23,8 milhões de pessoas) e cerca de 498 mil empregados do setor privado sem carteira de trabalho (totalizando a 11,7 milhões de pessoas). Ou seja, este aumento se deve em grande parte à expansão do mercado de trabalho informal, atingindo recorde histórico desde 2012.

Pontua-se, ainda, que o trabalho doméstico com carteira assinada caiu 4,4% no terceiro trimestre de 2018, com uma redução de aproximadamente 81 mil pessoas empregadas.

Segundo Cimar Azeredo, do IBGE, em razão da falta de postos de trabalho com carteira assinada, tem-se presenciado a criação de trabalhos voltados para a sobrevivência, como motorista de aplicativo, ambulantes e serviços de alimentação. Alerta que a insegurança gerada pelo trabalho informal desencoraja o consumo e, portanto, trava o mercado de trabalho naquilo que chama de círculo vicioso (ALVARENGA; SILVEIRA, 2019).

  • A definição de desemprego adotada pela OIT compreende a circunstância em que os indivíduos em idade ativa não estejam economicamente ocupados, mas tenham tomado providências (infrutíferas) na procura de Esta definição não inclui as pessoas que trabalham de forma esporádica, nem as pessoas que não procuraram trabalho porque não veem perspectiva de encontrar emprego, os chamados desalentados. Daí a diferença entre “desemprego aberto” e “desemprego oculto por trabalho precário ou desalento”.

Estima-se ainda que a população de desocupados somada aos subocupados por insuficiência de horas (7 milhões) e à força de trabalho potencial (7,8 milhões) atinge 27 milhões de pessoas subutilizadas no terceiro trimestre de 2018, correspondendo a 23,9% de subutilização de força de trabalho. E, por fim, a pesquisa aponta que aproximadamente 4,7 milhões de pessoas já não buscam mais trabalho, por descrença, são os chamados desalentados (ALVARENGA; SILVEIRA, 2019).

Verifica-se, portanto, que a redução do custo da força de trabalho não é suficiente para estimular a contratação de trabalhadores e que a recuperação do mercado de trabalho depende do ritmo de crescimento da economia nacional:

“Ao longo do ano, contrariando as expectativas iniciais, que indicavam uma expansão mais forte do emprego no país, o mercado de trabalho vem apresentando uma trajetória de lenta recuperação, refletindo baixo dinamismo da economia brasileira” (IPEA, 2018, p. 11).

A diminuição do número de empregos formais também contribui para o enfraquecimento dos sindicatos e de suas negociações coletivas pois, de acordo com dados estatísticos levantados pelo Ministério do Trabalho, apenas em abril de 2018 houve uma queda de 90% da arrecadação dos sindicatos laborais, se comparado ao mesmo mês do ano anterior (GAVRAS, 2018). Ou seja, a desmobilização e a perda de força negocial dos trabalhadores frente ao empregador é uma consequência inevitável, diante do quadro apresentado.

E para além da análise dos altos índices de trabalho informal no País, a identificação do perfil de emprego no pós-reforma tem demonstrado um aprofundamento da tendência de substituição de empregos melhor remunerados por empregos de baixa renda, principalmente aqueles com remuneração até um salário mínimo, o que representa uma perversa deterioração do mercado de trabalho, com graves consequências sociais (TROVÃO; ARAÚJO, 2018).

Ou seja, a reforma trabalhista, até o momento, não cumpriu o papel de enfrentamento do problema do desemprego nem da elevada informalidade observada no mercado de trabalho brasileiro, nem contribuiu para proporcionar uma recuperação da economia nacional.

Conclusão

Apresentados os argumentos justificadores da aprovação da reforma trabalhista, dado o panorama das principais alterações legislativas introduzidas, defendidos contra-argumentos que demonstram a contradição de suas premissas, e verificados os números estatísticos após um ano de vigência da reforma trabalhista, fica evidente que a reforma trabalhista não contribuiu para a geração de empregos no País.

Partindo das discussões aqui abordadas, resta claro que há indícios da inaptidão da Lei 13.467/17 para a geração de empregos e, ao contrário disso, é provável sua contribuição para o agravamento da precarização da classe trabalhadora e enfraquecimento dos sindicatos.

O discurso de Michel Temer, descrito no início deste artigo, com a promessa de geração de milhões de empregos formais decorrentes da aprovação da reforma, se baseava na crença de que bastariam algumas reformas institucionais para que a economia brasileira voltasse a crescer de forma sustentada. A justificativa para o fraco desempenho econômico, atualmente, é a necessidade da reforma da Previdência Social – outro mito que o governo federal tenta difundir por meio da grande mídia.

Os dados da PNAD Contínua, destacados em seção anterior, demonstram que, ao contrário do que foi prometido, houve a ampliação de vínculos sem carteira e a ampliação de pessoas em situação de desalento e, com isso, a desmobilização dos trabalhadores e o enfraquecimento das entidades sindicais.

Ou seja, estima-se que a reforma trabalhista, além de não entregar o número de empregos prometidos, poderá acarretar uma precarização ainda maior da estrutura ocupacional, uma vez que, quando houver uma retomada do crescimento econômico, boa parte dos empregos gerados oferecerão menor proteção aos trabalhadores e menores salários. E, mais grave ainda, essa precarização impactará diretamente sobre as contribuições para o Regime Geral de Previdência Social.

Por sua vez, a análise sobre a queda do número de demandas trabalhistas ajuizadas no ano de 2018 também pode significar o receio do trabalhador de se ver condenado ao pagamento de honorários advocatícios e custas processuais caso tente ver garantidos seus direitos laborais pelo poder judiciário, o que caracteriza patente afronta ao direito constitucional de acesso à justiça.

Sem a pretensão de realizar diagnósticos antecipados e de estabelecer conclusões definitivas, pode-se sugerir que a reforma trabalhista não teve a intenção de contribuir para a redução do desemprego, nem para a redução da informalidade, pois sua principal motivação foi a redução do custo da folha de pagamentos para as empresas. Ou seja, esta ampla alteração legislativa fez parte de um projeto voltado a atender às reivindicações do empresariado, que busca aumentar seus lucros às custas da degradação do trabalho humano. Deve-se mencionar, ainda, a tese de que o desemprego é usado como estratégia de dominação para pressionar os trabalhadores a aceitarem salários menores e para enfraquecer o poder de reivindicação dos sindicatos, em especial nos momentos em que a economia nacional atravessa períodos de recessão ou estagnação.

Na contramão das soluções liberalizantes apresentadas pelo governo federal, a experiência brasileira mostra que a melhoria do mercado de trabalho pressupõe o crescimento do PIB e o aumento na taxa de investimento tanto do setor público como do setor privado. Para que tal melhoria seja perene, é preciso promover o aumento da produtividade do trabalho na indústria e nos serviços relacionados ao desenvolvimento tecnológico. Como consequência, tem-se o aumento da força de trabalho especializada e melhor remunerada. Por outro lado, são ainda necessários mecanismos institucionais para reduzir a rotatividade da mão de obra, elevar o salário mínimo legal e fortalecer a negociação coletiva para que os salários cresçam junto com a produtividade. Por sua vez, a geração de empregos formais e o aumento do poder de compra dos trabalhadores impulsionam o consumo e estimulam o crescimento econômico. Portanto, mostra-se essencial a discussão sobre regulação pública do mercado de trabalho, de modo a evitar o desemprego, reduzir as diferenças de remuneração e garantir um patamar mínimo de proteção aos trabalhadores (BALTAR; KREIN, 2013).

Em suma, observando o panorama econômico, a complexidade das questões relativas às relações de trabalho e a importância social da qualidade dos empregos gerados no País, entende-se que uma reforma tão profunda como a que foi aprovada mereceria ao menos uma reflexão mais criteriosa, que não poderia ser feita em apenas quatro meses (como ocorreu), e que o Congresso Nacional deveria reavaliar as alterações na legislação trabalhista que prejudicaram o núcleo melhor organizado da força de trabalho e não foram capazes de produzir melhoria visível no mercado de trabalho.

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Artigo originalmente postado na Carta 38 do CESIT – Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho da UNICAMP

 

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